Artigo: “Representações Sociais de Negritude Sob o Olhar do Serviço Social”

Publicado por: Fernando Castelo Branco - DRT 1226-PI

 
 

As representações sociais são significados criados a partir de coisas concretas da realidade, como afirma Stuart Hall (apud Fernandes; Souza, 2016), “é o processo pelo qual membros de uma cultura usam a linguagem para instituir significados. Essa definição carrega uma premissa: as coisas, os objetos, os eventos do mundo não têm, neles mesmos, qualquer sentido fixo, final ou verdadeiro. Somos nós, em sociedade, entre culturas humanas, que atribuímos sentidos às coisas. Os sentidos, consequentemente, sempre mudarão de uma cultura para outra e de uma época para outra.” (HALL apud FERNANDES; SOUZA, 2016, p. 104).

No Brasil, devido ao processo de colonização e dominação pelos brancos europeus, índios e africanos, com suas marcas corporais tiveram a si atribuídos ao longo do processo de escravidão um status inferior aos brancos, com um efeito que perdura até hoje, com a sua marginalização e excludecêcia do acesso igualitário a bens e serviços.

Segundo Oracy Nogueira (2006), o preconceito racial existente no Brasil é de marca, pois leva em conta o fenótipo, ou seja, aquelas marcas que se pode notar a olho nu no corpo negro; ao contrário do preconceito existente nos Estados Unidos, que é de origem, pois leva em conta o genótipo, ou seja, a ascendência da pessoa.

Dessa forma, no Brasil, conforme a tonalidade da pele, uma pessoa pode ser considerada “menos negra”, como se afastar dessa condição fosse algo positivo. Assim, busca-se também formas de branqueamento dos negros, como o alisamento dos cabelos crespos e folclorização de seus modos tradicionais de vestimenta e crenças.

Mas, esse esforço de branqueamento também está presente na linguagem, com a utilização de expressões que possam suavizar a presença da raça, como moreno, mulato e outras. Quanto a expressões, também manifestam preconceito, as populares como: “ovelha negra”, “lista negra”, “a coisa tá preta” e até mesmo palavras mais rebuscadas como “denegrir”, que colocam o negro como algo ruim, negativo (MÉNDEZ, 2016).

Sem dúvidas, a herança escravocrata deixou profundas marcas na sociedade brasileira, a qual é refletida em uma violência cotidiana, multiforme e naturalizada, que nos dá indícios para a compreensão do racismo brasileiro atual. Ainda hoje, a cidadania para a população negra tem que ser reforçada diariamente, pois é uma luta constante em uma sociedade em que a desigualdade racial é enraizada e as tentativas de apagar a memória da barbárie contra os/as escravos/as são permanentes (CFESS, 2013).

Assim, embora venha crescendo o discurso que nega ou ameniza a presença do preconceito e da discriminação racial no país, as manifestações de racismo estão presentes no cotidiano da sociedade brasileira, pois

Ora ele é escancarado, como nos massacres frequentes; ora é silencioso, como as vidas silenciadas pelo extermínio policial que põe constantemente os negros e as negras sob suspeita, além de serem discriminados/as em outras esferas da vida social, como no acesso à justiça, ao mercado de trabalho, à educação, à saúde, dentre outras. Criando-se a justiça de brancos/as e de negros/as, as escolas de brancos/as e de negros/as em um ‘apartheid’ constante e velado (CFESS, 2013, p. 2).

Ademais, a exclusão da população negra é constatada na maioria dos indicadores sociais, pois encontram-se, na sua grande maioria, em bairros populares e vivendo em situação subalternas, sendo alvo constante de agressões policiais, constatando-se que a violência é intensificada junto à população pobre e negra, bem como através das disparidades econômicas e sociais encontradas ao se observar a realidade vivenciada por brancos e negros.

Ilustram a violência sofrida pela população negra jovem que historicamente tem sido alijada de diversos direitos, dados colhidos de reportagem divulgada no site da Anistia Internacional no Brasil que apontam que de 56 mil pessoas assassinadas no Brasil no ano de 2012, 30 mil são jovens entre 15 a 29 anos, e desse total 77% são negros, sendo que 92% assassinatos nem chegam a fase de julgamento. O que demonstra a ausência de políticas públicas voltadas para enfrentamento desta problemática, que como dito anteriormente vem desde a chegada do negro em solo brasileiro, escravizado, e tolhido de sua liberdade, submetido às piores condições durante séculos e que mesmo com a Lei Áurea que extinguiu a escravidão viu-se com seus direitos de cidadão não garantidos, pois o Estado não se ocupou em reparar essa disparidade entre negros e brancos. Justamente por vigorar a cultura e a ideologia excludente de que constituíam “seres inferiores”.

Corriqueiramente, assistimos a cenas lamentáveis de preconceito contra negros, as quais corroboram com uma visão estereotipada do negro, dando um lugar inferior, subalterno e que reflete o descaso das autoridades responsáveis por políticas que se mostrassem integradas no tocante a saúde, habitação, infraestrutura e principalmente educação para propiciar a igualdade de direitos aos negros moradores de áreas periféricas esquecidas pelo poder público, invisibilizados e estigmatizados.

Na reprodução cultural desse preconceito, percebe-se a grande contribuição da mídia, como por exemplo, nas novelas, quando papéis secundários, de funções domésticas, que não requerem elevada escolaridade ou identificados com criminalidade são quase sempre atribuídos a atores negros. Bem em como na exposição da mulher negra via de regra associando seu corpo a objeto de sexualidade, como as modelos “Globeleza”. Ou nas agências de publicidade e marcas que preferem modelos de pele clara, como expressa o relato da atual miss Brasil, a piauiense Monalisa alcântara que revelou em entrevista ter sido recusada por uma grife local sob a alegação de que sua cor de pele “desvalorizaria as roupas que desfilaria.”

No rol das desigualdades sociais e de direitos existentes no Brasil, as desigualdades de raça constituem uma das manifestações concretas da questão social, visto que há uma marginalização dos negros, grupo social com de maioria de pobres, que têm menor escolaridade e que são maiores vítimas de violência, contraditoriamente ao fato de serem estes a maioria da população brasileira.

Fazem-se importantes os movimentos sociais que defendem as demandas dos negros no Brasil, para dar visibilidade às desigualdades raciais existentes e às demandas específicas desses segmentos de cidadãos jurídicos que não experimentam em seu cotidiano a efetiva cidadania, mas sim a marginalização e acessos mínimos. Nesse contexto, o Serviço Social se faz presente na contemporaneidade, para desconstruir toda forma de preconceito e discriminação, promovendo a igualdade e a justiça social. Com acento para sua atuação no campo sociojurídico e da prestação jurisdicional cuja razão e fim residem na igualdade e garantias de direitos para todos os cidadãos.

Avanços consistiram a Lei nº 12.711/2012, que estabelece cotas para pretos, pardos e indígenas, no ingresso nas universidades, e a Lei nº 10.639/2003, alterada pela Lei nº 11.645/2008, que exige a abordagem da História e Cultura Afro-brasileira e Indígena nas escolas, que, dentre outros objetivos, busca inculcar nas crianças o conhecimento sobre a cultura africana para que respeitem e se reconheçam dentro de sua cultura.

Aponta-se como outras medidas importantes a serem tomadas o estabelecimento de cotas para o provimento de cargos políticos, ampliando a representatividade política da raça e a defesa de seus direitos, também na mídia, de forma a garantir a participação de negros em publicidades e outros programas midiáticos, e a inclusão também da história e cultura afro-brasileira e indígena na mídia, como já se exige nas escolas.

Por fim, é fundamental e necessária a discussão acerca da temática, visto ser o profissional do Serviço Social um profissional que trabalha com as múltiplas expressões da questão social, elaboração e execução das políticas públicas e sociais, que resultam da mobilização e organização da sociedade civil, na luta por direitos e por uma sociedade sem opressões, discriminação, além do caráter prático interventivo da profissão que busca a efetivação dos direitos de cidadania dos usuários.

GABRIELA DE SOUSA SILVA

JAILSA FERREIRA DA SILVA

NIVEA EMANUELE ARAÚJO DE SOUSA

ROSANA SAMILLE SOARES MELO

ESTAGIÁRIAS DE SERVIÇO SOCIAL DO SISTEMA NUPEMEC/CEJUSC

REFERÊNCIAS

CFESS. CFESS Manifesta: Dia Nacional da Consciência Negra. Disponível em: http://www.cfess.org.br/js/library/pdfjs/web/viewer.html?pdf=/arquivos/2013cfessmanifesta_consciencianegra.pdf. Acesso em: 20 de jul de 2017.

FERNANDES, Viviane Barboza; SOUZA, Maria Cecília Cortez Christiano de. Identidade Negra entre exclusão e liberdade. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 63, abr. 2016, p. 103-120.

NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil, Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 19, n. 1, nov. 2006, p. 287-308.

MÉNDEZ, Chrystal. 18 expressões racistas que você usa sem saber. Goiânia, 19 de novembro de 2016. Disponível em: < https://www.geledes.org.br/18-expressoes-racistas-que-voce-usa-sem-saber/#gs.jSYPOJU>. Acesso em: 21 de julho de 2017.

ANISTIA INTERNACIONAL BRASIL. Queremos ver os jovens vivos. Disponível em <https://anistia.org.br/campanhas/jovemnegrovivo/>. Acesso em: 22 de julho de 2017.

Compartilhe:
Print Friendly, PDF & Email