Início » Coordenadoria da mulher » “A Codependência Emocional e a Violência Contra a Mulher”

“A Codependência Emocional e a Violência Contra a Mulher”

Publicado por: admin

 
 

No dia 25 de novembro, comemora-se o Dia Internacional de Luta pelo Fim da Violência contra Mulheres. É um bom dia para refletirmos sobre o contexto de violência em que as mulheres estão inseridas. Há pouco mais de cinco anos trabalhando como Analista Judiciária – Assistente Social no Núcleo Multidisciplinar do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher na Comarca de Teresina, tenho observado aspectos nas mulheres vítimas de violência que me inquietam e me sensibilizam, principalmente porque não tenho como solucioná-los.

A maioria das pesquisas científicas divulgadas em vários meios de comunicação e por grande parte dos especialistas que palestram sobre violência doméstica e familiar contra a mulher afirmam que os principais motivos para as mulheres continuarem convivendo com os esposos ou companheiros que as agridem são: o medo, a preocupação com os filhos, as condições econômicas precárias e a esperança que eles mudem, dentre outros.

Diante da minha prática profissional, fico me perguntando onde está o afeto como um dos principais motivos. A subjetividade dessas mulheres ainda continua invisível nas pesquisas, pois o que constato quase todos os dias é que mulher alguma “gosta de apanhar”, mas que praticamente todas essas mulheres gostaram ou ainda gostam do ser que as agride, seja ele esposo, companheiro, pai, filho, dentre outros. Com raras exceções, o homem com quem convivem maritalmente foi o “escolhido” para uma vida toda, para a constituição de uma família, para ser o pai dos filhos, para uma vida “feliz para sempre”. Também com algumas exceções, o filho que tiveram foi desejado e com pretensões de ser amado e cuidado por toda a vida, além da projeção de serem cuidadas por eles quando da velhice. Por isso, o afeto persiste apesar da violência, afeto este permeado de esperanças de mudanças, de dias melhores. E quando o afeto persiste, apesar de tudo, o rompimento do ciclo da violência torna-se mais dificultoso e complexo, principalmente quando este afeto causa uma codependência amorosa. Mais dificultoso e complexo ainda quando a dependência amorosa é maior na mulher do que em seu familiar agressor.

A codependência amorosa é um termo advindo daquele cunhado, em 1995, por Mellody, Miller e Miller – a codependência afetiva – que se estabelece nas relações disfuncionais entre pais e filhos nas quais se gera dependência mútua, sendo observadas as diferenças de papéis. O termo foi transposto de forma a caracterizar que a dependência em relacionamentos amorosos é configurada por um parceiro passivo e um outro opressor que estabelecem uma relação de subordinação que é destrutiva para uma ou ambas as partes, mas da qual nenhum dos dois consegue se desvincular, gerando a vivência de manutenção da situação desconfortável ou desagradável que pode chegar ao âmbito da agressão – seja física ou psicológica (ALBUQUERQUE; TOURINHO, 2013). Para as autoras, o padrão comportamental codependente pode ser atribuído ao quadro de Transtorno de Personalidade Dependente. Tal quadro pode ser caracterizado por uma necessidade subjacente de cuidados, em que o sujeito apresenta comportamento submisso e aderente, com temores quanto a uma eventual separação. Ressaltam que

 

[…] as pessoas portadoras de tal transtorno se veem como indefesas, formulando crenças de que a obtenção da felicidade somente se configura com a presença de um sujeito “mais forte” que a disponibilize. Neste quadro a principal ameaça é o abandono, que supostamente confirma crenças com conteúdo de incompetência, incapacidade de ser amado e ser feliz sem a figura de uma pessoa mais forte – gerando ansiedade, principalmente em momentos de tensão no relacionamento (ALBUQUERQUE; TOURINHO, 2013, p. 74 e 75).

Mellody, Miller e Miller (1995) ressaltam que os codependentes têm dificuldades em: vivenciar níveis adequados de autoestima; estabelecer limites funcionais; admitir e expressar a própria realidade; tomar conta de suas necessidades e desejos adultos; experimentar e expressar moderadamente sua realidade. Um dos conceitos propostos é a culpa posterior aos episódios de conflito, que sistematizam como:

 

[…] ter uma estrutura mental acusatória o conduz a um processo de condenação. A culpa significa que tem os problemas que tem por causa de algo que outra pessoa fez a você […] a condenação o algema à pessoa que abusou de você e você passa a depender de que essa pessoa mude para que possa tentar se curar. Isso dá poder ao agressor e torna você, a vítima, indefeso – sem a capacidade de se proteger ou mudar (MELLODY; MILLER; MILLER, 1995, p. 157).

 

Mulheres com as características citadas acima são encontradas durante nossos estudos psicossociais e com mais frequência do que se imagina. E aí fica uma pergunta pairando na nossa mente: como ajudar esta mulher a sair dessa? Seja lá qual a for a resposta que encontremos para essa pergunta, se essa mulher não quiser de verdade, ela não vai nem ousar tentar. Não podemos decidir por ela, agir por ela. O que podemos e fazemos, na medida do possível, é tentar que essa mulher reflita sobre a sua condição e, caso ela queira, apontamos caminhos onde ela possa: iniciar um processo de empoderamento, de elevação de sua autoestima e autoconfiança; onde possa aprender alguma atividade de geração de emprego e renda; onde possa se cadastrar para conseguir algum benefício assistencial; onde possa fazer um acompanhamento psicológico sistemático, dentre outros.

Os desafios são muitos e cada mulher vítima de violência doméstica e familiar tem o seu ritmo, o seu próprio tempo. Por mais que ao ouvir os seus relatos achemos que ela já chegou no “fundo do poço”, para algumas ainda existem alguns degraus para que desistam totalmente da relação e reiniciem a relação de amor próprio que todas merecem conquistar e nunca mais perder.

 

Daliane Fontenele de Souza é Analista Judiciária – Assistente Social do Núcleo Multidisciplinar do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Teresina – PI

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

ALBUQUERQUE, V. F. S.; TOURINHO, N. de A. Codependência Amorosa: Um Estudo Cognitivo-Comportamental Focado nos Esquemas. In: ALBUQUERQUE, V. F. S. (Org). Saúde Mental em Perspectiva: Ensaios sobre a Psicopatologia e o Cuidar. Primeira Edição. São Paulo: Perse, 2013. P. 45-85.

 

MELLODY, P; MILLER, A; MILLER, J. K. Enfrentando a codependência afetiva: o que é, como surge, como prejudica nossas vidas. Rio de Janeiro: Rosa dos Ventos, 1995.

—–
Fonte: A Autora

Compartilhe: