“Falta de Respeito à Justiça” – Desembargador Valério Chaves

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De uma clássica lição da sabedoria política que teria sido dirigida ao presidente americano Abraham Lincoln, extrai-se a seguinte advertência: O que será da Ordem sem o respeito à Justiça.

Esta vetusta síntese parece pertinente e atual nesses tempos de oportunismos inconsequentes quando alguns acusadores de plantão exorbitando de sua atribuição constitucional, e a pretexto de defender a sociedade, utilizam-se da mídia para, sem qualquer ressalva, lançar à execração do imaginário popular, magistrados que no exercício de sua função de julgador, cumprem o seu mister com seriedade e correção.

Da forma que ultimamente tais acusações estão destravando a língua até de alguns agentes públicos travestidos de defensores da lei, que através de críticas inconsequentes e insinuações maliciosas, passa a impressão de que os juízes de direito ou desembargadores dos tribunais de justiça, quando assinam alguma ordem de prisão ou de soltura de preso, dentro dos limites legais, estariam agindo por mero diletantismo. Até parece que não estamos respirando ares mais limpos de moralização em nosso país onde a Justiça está agindo contra corruptos e criminosos em qualquer esfera do poder.

A atitude de tais acusadores faz supor que estamos vivendo num Estado policial onde a crença e a confiança nas decisões judiciais são substituídas por constantes vigilâncias e críticas despidas de responsabilidade.

Não se desconhece que, como julgadores, os magistrados não estão imunes às críticas. Mesmo porque, a crítica responsável faz parte do sistema de liberdade democrática que não se alcança apenas com declaração formal de resguardo à cidadania nem com direito de suspeita e falta de respeito. Se faz também com decência e educação no seu sentido mais amplo.

Os juízes, como seres humanos, estão sujeitos a errar em suas decisões, porém o caminho para corrigi-las não é o deboche nem o baixo expediente da detratação pessoal, mas os recursos processuais cabíveis.

Não é desarrazoado supor que manifestar desagrado com uma decisão judicial em qualquer instância, usando o expediente rasteiro das versões injustificadas nas entrevistas, não é uma atitude democrática. Pelo contrário, é um mau exemplo aos olhos da população que, desinformada, é levada a acreditar que a Justiça só funciona para endinheirado, que só prende pobre e que se enleia em liminares a preço previamente combinado.

Claro que comentários equivocados deste porte soam ridículos aos ouvidos dos mais sensatos, e – convenhamos – não deixa de ser revoltante para quem honestamente cumpre os seus deveres para com o Estado. É, a um só tempo, uma ferida exposta na honra de cada integrante da Magistratura piauiense e brasileira, porque representa, no mínimo, uma ameaça ao Estado de Direito onde os verdadeiros cidadãos respeitam as leis do país e as decisões do Poder Judiciário.

Com isso, não se quer colocar em dúvidas as falhas e as carências do Judiciário brasileiro, nem tampouco a necessidade de reforma das leis penais e criação de novos mecanismos de atuação dos operadores do Direito.

Induvidosamente, as nossas instituições devem ser debatidas em todos os níveis. No entanto, a forma de fazê-lo nunca será alcançada estrangulando a honra dos juízes, levando de roldão sua independência e pondo em dúvida a credibilidade de suas decisões.

Mesmo observando do cepo da aposentadoria compulsória, vejo que talvez seja o caso de lembrar que está na hora de elevar o nível e dar um basta nesse processo de desconsideração, fazendo exatamente o contrário dos críticos inconsequentes: apoiar e fortalecer o Judiciário, principalmente nesse momento histórico em que, por toda parte, a democracia avança e os ditadores recuam.

Os juízes brasileiros estão fazendo a sua parte, na medida em que cumprem com responsabilidade a missão que lhe confiou a sociedade – real destinatária das normas legais.

Sem querer subestimar a arrogância dos ilustres algozes, cumpre dizer-lhes, pelo menos, que os juízes têm consciência do dever fazendo a sua parte enquanto julgadores, mas exigem respeito porque, também, têm limites e honra.

 

 

Valério Chaves – desembargador inativo do TJPI

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Fonte: O Autor.

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