Amizade: Sentimento Nobre, Impulsionado pela Afinidade Espiritual, e Irrigado por Valores, Ideias, e Interesses Similares e Sadios

Publicado por: Daniel Silva - DRT 1894-PI

 
 

Amizade: Sentimento Nobre, Impulsionado pela Afinidade Espiritual, e Irrigado por Valores, Ideias, e Interesses Similares e Sadios

 

Desembargador Edvaldo Pereira de Moura

Diretor da ESMEPI e Professor da UESPI

“O melhor indicador de caráter de uma pessoa é como ela trata quem não pode lhe trazer benefício algum”.

Autor desconhecido

É preciso que se tenha o coração empedernido para não se sucumbir aos afagos da lisonja, do elogio e das declarações de apreço legítimo, que vêm a nós pelo canal legitimador da amizade, da gratidão e da sinceridade daqueles que nos cercam. Feliz o ser humano cuja presença inspira respeito e em que a ausência incita saudade. Feliz daquele, portanto, que deixe como herança aos seus pósteros a intransigente defesa da lealdade honesta e não servil e da amizade sincera e desinteressada, porque ela é o laço fluídico, que liga aqueles que investiram nos dons do espírito, com sensibilidade, amor, verdade e justiça.

Os mestres da Sociologia mostram a importância das primeiras corporações humanas, com a feliz iniciativa que tiveram, perante os nossos antepassados, de buscarem compensar as desvantagens dos que se insulavam em famílias poderosas e em castas privilegiadas, muito distantes das pessoas comuns, incentivando a união e as ligações pessoais dos que as integravam. Como é do conhecimento de todos nós, essas corporações fomentavam a união de pessoas não familiares e sem o pálio dos brasões de nobreza. Elas deveriam se unir em tudo, no culto comum, nos banquetes de amigos, nas festas comunitárias e até nos cemitérios, pois tinham a necessidade de se fortalecerem através de agrupamentos familiares, não institucionais, como o clero, a magistratura, o ministério público, o parlamento e tantos outros. Durkheim dizia que a comunhão dos interesses substituía os lanços de sangue. A magnitude das instituições civis inspiraria a doutrina da estatização dos institutos, atualmente indissociáveis dos pilares constitucionais das nações modernas.

Foi assim que a força da amizade e a necessidade de mútua proteção entre amigos, instituíram e estimularam as células familiares. A própria organização do comércio, das escolas e até mesmo das ordens religiosas, surgiram do ajuntamento entre amigos.

É Émile Durkheim que, mais uma vez, nos traz o ensinamento, segundo o qual os primeiros membros da sociedade formada por grupos de pessoas afins, em seus interesses, “se consideravam tão bem como irmãos que, às vezes, davam-se este nome entre eles. A expressão mais corriqueira era, em verdade, a de ‘sodales’. Mas essa própria palavra exprime um parentesco espiritual, que implica uma estreita fraternidade”, ou seja, uma verdadeira irmandade.

M. Boissier afirmava que, mesmo nas corporações operárias, as pessoas se associavam, pelo prazer de viverem juntas, para acharem fora de casa distrações às suas

fadigas e aos seus aborrecimentos, para terem uma intimidade menos restrita, que a da família, menos extensa que a da cidade, e assim, tornarem a vida mais fácil, mais humana e mais agradável.

Tudo o que queremos ressaltar nessas singles considerações, relaciona-se com a relevância da amizade. Essa amizade é a que motiva o congraçamento entre as pessoas, a ligação com o ambiente doméstico e com o meio em que vivemos, que nos leva a multiplicar amigos, através do trabalho, que desempenhamos, em prol dos supremos interesses da sociedade a que servimos, com desprendimento e zelo inexcedível.

Podemos afirmar, com a mais absoluta convicção, que durante toda a nossa vida, tudo o que efetivamente pretendemos, sempre se norteou pelo fortalecimento do amparo às boas amizades, como alento à dolorosa solidão reservada àqueles que, como nós, têm a função sagrada, nobre, ingente e sacrificada de realizarmos o justo, solucionando os complexos conflitos de interesses intersubjetivos, para a pacificação dos seus contendores.

Como julgador, jamais nos esquecemos da Justiça Divina, que sempre foi o fanal a iluminar os recantos, muitas vezes sombrios, de nossas fragilidades humanas e mais: que o nosso prêmio pelos acertos, que conseguimos, no curso dessa extenuante jornada histórica, será sempre a memória dos bons momentos, que procuramos repartir, até mesmo nos instantes em que a dúvida, a angústia existencial e as fraquezas da vida bateram, como açoite severo, à porta da nossa tenda judicante.

Muitíssimas foram as atividades e missões a que nos dedicamos, como policial, como magistrado, como professor, às vezes mudando de lugar e de posições, para continuarmos servindo à causa sagrada pela qual juramos lutar, até o último alento do nosso espírito. Nas nossas meditações e saudades, em espírito, visitamos as delegacias em que servimos, as comarcas em que, como judeu errante, judicamos, procurando, nesse bálsamo fraternal, a inspiração do itinerário que traçamos.

Essa inspiração, que sempre norteou a nossa atribulada existência, nunca deixou de ser respaldada por sinceras e sólidas amizades, razão de grande parcela da felicidade que nos anima, da coragem e da profunda paz interior de que nos achamos possuídos. Por isso, repetimos: é preciso que aprendamos com a vida, por múltiplas e intercorrentes motivações, a cultuarmos a lealdade honesta e não servil, e a amizade sincera e desinteressada.

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