Memorial do Poder Judiciário Piauiense, por desembargador Edvaldo Moura

Publicado por: Vanessa Mendonça

 
 

Desembargador Edvaldo Pereira de Moura
Professor da UESPI e Diretor da ESMEPI

Em 2011, quando presidíamos ao mais que centenário Tribunal de Justiça do Piauí, instituímos o Memorial do Poder Judiciário e ao fazê-lo, no preâmbulo de nossa exposição, depois de indagar sobre o que havia sido feito da memória da Justiça piauiense, acicatado por algo que nos inquietava, dissemos, então:

Onde está e o que foi feito da memória do nosso Judiciário? Será que ela não existe? Ou ela não representa muita importância no seu quadro existencial, que já remonta há alguns séculos de sua longa e penosa história? Se a temos, quais os cuidados merecidos por ela, durante todos esses anos? E qual a prova de que dispomos sobre a sua real existência?

O ínclito mestre de todos nós, Professor Arimathéa Tito Filho, de honrada e saudosa memória, afirmou, certa feita, que a história do Tribunal de Justiça do Piauí lembra instantes de coragem, de sacrifício e de heroísmo espiritual.

O nosso inesquecível e erudito Desembargador Vicente Ribeiro Gonçalves registrou, para a posteridade: Despachado para municípios longínquos, de precaríssimos meios de transportes e comunicação, o magistrado piauiense ali se encontrava ilhado e como que isolado do restante do mundo quando, então, começava sua tarefa paralela à das funções específicas de julgador: fundar colégios, criar sociedades recreativas, esportivas e literárias, organizar bibliotecas, promover solenidades cívico-patrióticas, estimular e realizar apresentações teatrais e muitas outras, como José Vidal de Freitas, João Nonon de Moura Fontes Ibiapina, Paulo de Tarso Mello e Freitas, José de Anchieta Mendes de Oliveira e Aldemar Soares Lima, apenas para exemplificar.

Nas décadas de 1910 a 1960, muitos estabelecimentos de ensino surgiram em nosso Estado, neles se encontrando sempre, como protagonistas, as figuras atuantes e criativas dos nossos magistrados.

E onde se encontra, pelo menos, a história desses heróis do nosso processo civilizatório?

O Piauí já se ombreou, com outras unidades federadas, com cinco dos seus valorosos filhos integrando a Corte do Supremo Tribunal Federal, por meio de brilhantes ministros que ali pontificaram, desde o século XIX. Foi modesta, mas brilhante e honrada a sua participação na egrégia Corte Suprema.

O primeiro a ocupar o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, foi o Doutor Antônio de Souza Mendes, oeirense, nascido em 1823 e formado pela Faculdade de Direito de Olinda, em 1848. Ele exerceu o cargo de Juiz Municipal de Campo Maior, de Barras, de Oeiras, de Valença, de São Gonçalo e de Teresina. Pelo seu valor pessoal e jurídico-cultural chegou ao Tribunal da Relação do Pará e, posteriormente, removido para o Estado do Ceará, onde acumulou a desembargatória, com o cargo de Procurador da Coroa. Depois da Proclamação da República, foi alçado ao Supremo Tribunal Federal, pelo Marechal Deodoro da Fonseca, falecendo no Rio de Janeiro, em 11 de janeiro de 1905.

O segundo a integrar o Supremo Tribunal Federal, foi o Doutor Antônio de Souza Martins, natural de Oeiras, formado em 1853, pela Faculdade de Direito de Olinda, depois de ocupar o cargo de Desembargador do Tribunal da Relação do Mato Grosso, do Pará, de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, de que foi Presidente. Em 1894 foi nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal, falecendo no dia 25 de dezembro de 1896.

Em 14 de setembro de 1961, o Presidente João Gourlat nomeou para o Supremo Tribunal Federal, o Doutor Evandro Cavalcanti Lins e Silva, uma das mais brilhantes expressões da advocacia e da doutrina penal da América do Sul. Foi ele um dos maiores presentes que a nossa Parnaíba, mãe zelosa de tantos brasileiros valorosos, nos legou naquele memorável dia 18 de janeiro de 1912, no modesto casario da encantadora Ilha Grande, infelizmente, falecido no Rio de Janeiro, em 17 de dezembro de 2002, quando havia festejado os seus 90 anos de idade. O Doutor Evandro, como sabemos – o advogado do século XX, passou por todos os cumes da política, da literatura acadêmica e do Direito e pelos seus inegáveis méritos chegou a Academia Brasileira de Letras, como ocupante da cadeira número 1.

O quarto piauiense a honrar o tão cobiçado cargo de Ministro da Suprema Corte, foi o teresinense, Firmino Ferreira Paz, nascido em 16 de julho de 1912, e formado pela Universidade Federal do Ceará, em 1935. Foi ele Procurador da República, Professor de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas de São Paulo e nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal em 1971, falecendo no dia 29 de maio de 1991.

Já no dia 16 de agosto de 1982, para substituir o Ministro Firmino Ferreira Paz, chega ao Supremo Tribunal Federal, o Ministro Aldir Guimarães Passarinho, florianense de nascimento, nascido no dia 21 de abril de 1921 e formado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, falecendo aos 93 anos de idade, no dia 29 de abril de 2014.

Para alegria e glória de todos nós, mais um piauiense, o notável conterrâneo Desembargador Federal, Kássio Nunes Marques, Mestre, Doutor e Pós-Doutor em Direito, por importantes Universidades do Brasil e do exterior, passa a compor a Suprema Corte do Brasil, depois de atuar, com brilhantismo, imparcialidade, competência e inexcedível zelo, no Tribunal Federal da 1ª Região, com sede em Brasília, rompendo os caminhos da pobreza digna, como filho de um casal de humildes professores da rede pública estadual, nestes modestos rincões e que tem tudo para se impor, pelo talento e pela verticalidade moral e funcional, ao respeito deste país de muitas leis e de pouca Justiça.

Como é de sabença geral, no âmbito do Judiciário piauiense, outros juristas de expressão nacional, também deram o seu valioso contributo ao Brasil, como magistrados, com um trabalho que transcendeu os limites do comum e cuja fama rompeu o nosso além fronteiras, a exemplo de Polidoro César Burlamaqui, Álvaro de Assis Osório Mendes, João Gabriel Furtado Baptista e Augusto Colin da Silva Rios, Francisco de Sousa Martins, Juiz de Direito do Rio de Janeiro e de Oeiras, ex-Presidente das Províncias da Bahia e do Ceará, Joaquim de Sousa Neto, Patrono do Fórum Cível e Criminal de Teresina, de cuja cabeça iluminada saiu a aplaudida obra “O Motivo e o Dolo”, o parnaibano Evandro Cavalcanti Lins e Silva – o advogado do Século XX, Clodoaldo Freitas, Cândido de Souza Martins, Justino Augusto da Silva Moura, Hygino Cunha, Benedito Martins de Carvalho, Pedro Amador Martins de Sá, Urbano Maria Eulálio, Vicente Leite Ripado, José Magalhães da Costa, Osiris Neves de Mello Filho, João Menezes da Silva, Berilo Pereira da Mota, João Martins de Araújo Costa, Antero Coelho de Rezende, Antônio de Freitas Rezende, João Baptista Machado, Tomaz Gomes Campelo, Francisco Izaias de Arêa Almeida, Severino Gomes de Oliveira, João Tavares da Silva, Virgílio Madeira Martins, Severo Clementino de Sousa Santos, José Mariano Lustosa do Amaral, Ernesto José Baptista, Raimundo Barbosa de Carvalho Baptista, Corinto Andrade, Edgard Nogueira, Manfredi Mendes de Cerqueira, Arimar Castelo Branco, Luiz Lopes Sobrinho, Regina Coeli Santos e Freitas, Salmon Lustosa Nogueira, Vicente Ribeiro Gonçalves, Pedro de Morais Brito Conde, Raimundo Campos, Emiliano Paes Landim, Heli Ferreira Sobral, Roberth Wall de Carvalho, Otávio Fortes do Rêgo, João José Pereira da Silva, Simplício de Sousa Mendes, William Palha Dias, Lucrécio Dantas Avelino, José Luiz Martins de Carvalho, Walter de Carvalho Miranda, José Carneiro Neto, José Gomes Barbosa, Valério Neto Chaves Pinto, Augusto Falcão Lopes, Joaquim Feitosa, Nildomar das Silveira Soares, Raimundo Lustosa Nogueira, Manoel Belisário dos Santos, Luís Fortes do Rêgo, José Soares de Albuquerque, Antônio Ribeiro de Almeida, Aluísio Soares Ribeiro, Antônio Ribeiro Gonçalves, Manoel Felício Pinto, Álvaro Brandão Filho, Elias de Oliveira e Silva, penalista eminente, autor da obra notável, “A Criminologia das Multidões” e José Pontes de Visgueiro, português, que como juiz do Tribunal da Relação do Maranhão, instalou a comarca de Parnaguá, e já no exercício do cargo de desembargador, cometeu um crime que abalou o Império.

Registre-se, por oportuno, que piauienses ilustres, também honraram e engrandeceram o nome da Justiça de outros Estados, como Joaquim de Sousa Neto, Juiz de Direito do Rio de Janeiro, Hamilton Mourão, que chegaram à desembargatória e presidiram aos tribunais do Distrito Federal e do Amazonas, respectivamente e João Lustosa da Cunha Paranaguá – o II Marquês de Paranaguá, que foi Desembargador no Rio de Janeiro.

Se alguém quiser obter alguma informação a respeito do trabalho e da história dos que fizeram parte da magistratura piauiense, onde poderá encontrá-la?

Em que espaço, estante, ou cantinho qualquer da Biblioteca “Desembargador Vicente Ribeiro Gonçalves”, criada por Augusto Falcão, nos é possível encontrar as suas obras, os seus memoráveis votos, e conhecer a saga heroica desses magistrados, para que fixemos os seus emblemáticos nomes, no orgulho de todos nós?

Pois bem, cremos que já não nos resta a menor desculpa, com a qual possamos nos desvencilhar de tão merecida tarefa de reunir a riquíssima memória histórica do nosso Judiciário. Se o fizermos agora, com certeza, devemos proceder, apresentando um imenso rol de desculpas à sociedade piauiense, pelo imperdoável atraso no tempo, como afirmamos por ocasião da instalação do Memorial do Poder Judiciário do Piauí, em nossa gestão, acrescentando:

Não podemos fugir aos chavões tautológicos, segundo os quais um povo sem memória é um povo inconsciente de sua dignidade e de seus valores essenciais.

Nossas indagações estão satisfeitas. Monumentalizar os objetos da história da Justiça do Piauí passará, agora, para o plano da realidade, com essa louvável, esperada e indispensável inciativa deste Tribunal de Justiça, que conta com o apoio da Academia de Letras da Magistratura e da Associação dos Magistrados piauienses, em busca da implantação desse espaço dedicado à Memória do Judiciário deste humilde, mas valoroso Estado, como afirmamos no final de nossa manifestação.

Praza aos céus que se mesmo pouco ou quase nada não nos for possível fazer, em proveito de outros segmentos desta instituição, pelo menos, a sombra nefasta da inoperância e da negatividade, não paire sobre este projeto de recuperação e conservação do espólio espiritual dos nossos antecessores, que só merecem o esforço concentrado do nosso desvelo e da nossa gratidão.

Recuperar o que ainda nos é possível da história do Judiciário piauiense e deixá-lo à disposição dos nossos pósteros, como marca do que fizemos durante todos esses anos, purgará o imenso pecado cometido contra o sacrifício de quantos já se foram, na esperança de ter-nos deixado uma herança imorredoura e digna de exemplo, como dissemos naquela oportunidade.

A ideia de instituímos o Memorial do Poder Judiciário, surgiu por inexistir qualquer registro, digno de nota, que materializasse o rico e afanoso trabalho deixado pelos magistrados piauienses nas comarcas em que judicaram. Por isso, resolvemos fazer, há época, uma peregrinação, especialmente às comarcas mais antigas, colhendo valiosíssimas informações, documentos históricos, equipamentos de unidades prisionais, como a de Jerumenha, e até pedaços de telhas de imóveis, em acentuada ruína, onde residiram os nossos primeiros magistrados. Tudo isso foi por nós deixado no Tribunal e achamos que ainda há tempo para que a atual e exitosa gestão, implemente o que foi realizado e dê continuidade a tão enobrecedor trabalho, instalando, se possível, já na nova sede do Tribunal a ser em breve inaugurada, um espaço que abrigue o acervo histórico e bibliográfico deixado pelos nossos inesquecíveis e honrados magistrados.

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