ARTIGO – ESTADO DE EMERGÊNCIA PENAL

Publicado por: Daniel Silva - DRT 1894-PI

 
 

ESTADO DE EMERGÊNCIA PENAL

Com as consideráveis mudanças registradas no mundo a partir das últimas décadas do século XX, o Brasil vem passando por um processo de expansão do poder punitivo do Estado com a adoção de práticas de segurança pública voltadas para uma política de “guerra à drogas ilícitas” – fenômeno que muitos analistas classificam como “proibicionismo criminalizador”, previsto na Lei de Drogas.

Nesse processo é comum a ocorrência da chamada “emergência penal”, onde mais prevalece a razão do Estado sobre a intimidade e a vida privada das pessoas, como com maestria explicita Ferrajoli (2010. p. 747).

Com o estabelecimento da chamada “emergência penal”, cujas regras e princípios não são permitidos em tempo de paz contra os cidadãos, o Estado aplica em lugar do direito penal do cidadão, o direito processual do inimigo com aplicação de múltiplas formas de coação, dependendo do lugar e do cenário de violência existentes fora do controle da ação policial.
A intervenção estatal nessas situações por meio do Poder Judiciário, desde que atenda aos requisitos formais das buscas e apreensões coletivas (itinerantes), entende-se como necessária e legitima porque visa o bem geral da população e, ao mesmo tempo, inibe a ação de um Estado paralelo com poder de fazer valer suas próprias leis, inclusive com representação parlamentar, como é o exemplo típico vivenciado atualmente no Estado do Rio de Janeiro.

Mas é preciso, de outra parte, levar em consideração a questão dos direitos fundamentais como parâmetros para limitações das ações dos poderes constituídos contra a vida íntima e a inviolabilidade do domicílio dos cidadãos – considerados como uma das mais antigas garantias individuais da sociedade humana.

Talvez seja por sua importância que os constitucionalistas chamam de cláusula pétrea (art. 60 § 4º, da CF) presentes em todas as constituições brasileiras, a partir de 1824.

Com efeito, sendo “a casa o asilo inviolável do indivíduo” como bem disse o ex-ministro Eros Graus, no julgamento do HC 95.009, a busca e apreensão feita por policiais munidos por mandados com poderes de a tudo vasculhar, para que seja válida, não pode está fundamentada em meras suspeitas do morador (ou moradores) ser autor de crimes.

A ordem judicial, por si só, não basta para a polícia entrar na casa de alguém. É preciso que existam fundadas razões de que ocorre flagrante delito no local. Do contrário, estar-se-ia praticando crime de abuso de autoridade e, ao mesmo tempo, violando princípios previstos na Constituição do Estado Democrático de Direito, que diz que ninguém pode penetrar na casa de alguém sem o consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, prestar socorro, ou durante o dia com autorização judicial.

Neste sentido, como leciona Ada Pellegrini Grinover, “ o processo penal não pode ser entendido, apenas, como instrumento de perseguição do réu. Se faz, também, para a garantia do acusado, porque é verdadeiramente um instrumento de satisfação de direitos humanos fundamentais e uma garantia contra o arbítrio do Estado” (Liberdades Públicas e Processo Penal – SP: Editora Revista dos Tribunais, 2ª ed. 1982, pp, 20 e 52).

Disso resulta a conclusão de que, no regime democrático, o processo penal como expressão de civilização e de cultura nas mãos dos que têm poder de decidir, não deve ser apenas um instrumento de efetivação do Direito Penal, mas representar uma tutela da liberdade pessoal e de respeito aos limites dos valores da dignidade humana.

Valério Chaves
– Des. inativo TJ-PI.

(Fevereiro/2018)

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