Artigo: “Efeitos da Pena na Função Política” – Desembargador Valério Chaves

Publicado por: Fernando Castelo Branco - DRT 1226-PI

 
 
Com a rápida modificação dos costumes e com a veloz alteração dos valores sociais, a punição de determinados crimes que no passado eram reprovados pela sociedade, perderam a razão de existir, por superados no tempo. Todavia tais mudanças, a despeito de não serem mais passíveis de criminalização, não retiram do juiz o poder do livre arbítrio para decidir adequando a solução sentencial ao sentimento coletivo da época.

 

Nesse contexto, de salientar-se que o Juiz da modernidade não é um mero aplicador da lei, mas sim uma pessoa que ao longo de sua vida judicante acumulou experiências, sentimentos e convicções que se refletem nos autos na hora de decidir.

 

Como órgão criador do Direito, aprende definir critérios e valorar tudo que o cerca, interpretando sempre no sentido estrito da lei ou entre a solução mais benéfica à sociedade, sem atropelar o marco jurídico-constitucional.

 

Temos como exemplo marcante mais recente, o caso envolvendo o ex-deputado Eduardo Cunha acusado de corrupção com o recebimento e pagamento de propina, causando enormes prejuízos aos cofres publico durante o exercício do mandado de deputado federal.

 

Na dosagem da pena na sentença condenatória, o juiz Sérgio Moro levou em consideração para elevação da culpabilidade do réu, além da circunstância agravante prevista no art. 61, inciso I, letra “g”, do Código Penal, valorou também outros fatores negativos como a de ter o parlamentar praticado os crimes no exercício do mandato de deputado federal.

 

Não pode haver ofensa mais grave do que a daquele que trai o mandado parlamentar e a sagrada confiança que o povo nele deposita para obter ganho próprio” – justificou o magistrado.

 

Com essa afirmação, o Juiz quis significar que quanto mais bem conscientizado for o agente (deputado federal) sobre as consequências de seu ato, quanto mais censurável for a sua conduta como traidor e usurpador da confiança do povo, maior deverá ser a resposta penal.

Com efeito, não pode passar ao largo da compreensão de alguém que tenha algum conhecimento sobre leis para saber que certas atitudes, mesmo quando praticadas sob o manto de prerrogativas constitucionais, não podem ser confundidas com intocabilidade quanto ao cometimento de crime ou contravenção.

 

É como observa o Prof. Adilson de Abreu Dallari:

Todo aquele que recebe um mandato, um poder para realizar alguma coisa, deve ficar sujeito a uma fiscalização e deve ficar sujeito a responsabilidade, caso se desvie do caminho que lhe foi imposto”.

 

Embora não haja padrão para sentença, há certas circunstâncias que sempre agravam, ou obrigatoriamente, agravam ou atenuam a pena, mas nessa agravação ou atenuação, tem o juiz de considerar as consequências do crime, como na sábia expressão do Prof. NELSON HUNGRIA ao “Correio da Noite”: “O juiz não se achará confinado dentre dos limites fixos, além do mínimo e do máximo dos abstratamente cominados”.

 

Se de um lado a pena não pode ser aplicada sem a avaliação dos motivos que determinaram a ação criminosa, de outro, como diz CESAR TALARICO comentando o Código italiano, “não se pode, de maneira alguma, tratar do mesmo modo aquele que seja levado ao crime por malvadez de propósitos ou abjeta avidez de lucro, e aquele que delinquir para salvar a sua honra ou por fim bom e às vezes nobre e patriótico” (in CPB, 10ª ed. Ribeiro Pontes, pág 79).

 

Como se pode notar, esse posicionamento doutrinário se insere na conduta daqueles que na elevada função de representação política, e a pretexto de beneficiar o povo que o elegeu pelo voto, descambam para o enriquecimento ilícito através da vergonhosa via da corrupção e de falcatruas, produzindo na população uma sensação de total insegurança.

 

Não resta dúvida de que políticos corruptos, sem compromisso com a função política, esquecidos de que o resgate da autonomia republicana brasileira foi uma sofrida conquista da sociedade, depois que as instituições do país estiveram sob o efeito amargo do regime de exceção, realmente devem ficar sujeito a uma responsabilização criminal.

Essa, infelizmente, é a prática que se tem visto nos últimos tempos em nosso país com a divulgação de lamentáveis episódios em que alguns detentores de mandatos eletivos, envenenados pela cobiça desmedida do dinheiro, transformam a confiança que o povo lhes outorgou pelo voto em verdadeiros balcões de negócios.

 

A constituição brasileira de 1988, embora não tenha se afastado de sua força hierárquica no plano da regulamentação jurídica, não se posicionou expressamente sobre o caráter retributivo da pena previsto no art. 59 do CP, diante da culpabilidade do agente, diferente da feição mais realista prevista na reforma penal de 1984.

 

Entretanto, este fato não serve para retirar dos maus políticos a lembrança dos tempos de pressão como um legado histórico de sua responsabilidade com a representação parlamentar, principalmente, nesse momento em que discute-se a aprovação da lei de abuso de autoridade, cujo efeito prático será, induvidosamente, de criminalizar a interpretação da lei e colocar em risco a independência dos juízes.

Valério Chaves Pinto – Desembargador inativo do TJPI

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