Dia das crianças, o que há de fato para comemorar?

Publicado por: Joelma de Sousa Abreu

 
 

Hoje, dia 12 de outubro de 2021 comemora-se pela 97ª vez o Dia das Crianças no Brasil. Essa data é aguardada ansiosamente por muitas crianças, que não veem a hora de ganhar presentes, fazer passeios, viagens e demais atividades alusivas a esta data comemorativa. Atualmente, para além do dia da Criança, fala-se em semana da criança e em até em mês da criança fazendo-se referência ao mês de outubro.

Nesse período então, dá-se início à temporada de campanhas publicitárias, promoções no comércio, atividades escolares e religiosas, todas voltadas para celebrar tal comemoração. Em tempos de redes sociais, não seria diferente: fotos da época da infância em perfis de pessoas já adultas, fotos e vídeos de crianças de um modo geral, homenagens de sites de busca e aplicativos, enfim… tudo remete à essa celebração. Mas você já parou para pensar na origem do dia das Crianças no Brasil?

Sabe-se que o dia 12 de outubro de 1923, foi realizado o Congresso Sul-Americano da Criança, na cidade do Rio de Janeiro, que era a capital federal à época.  O referido congresso reuniu estudiosos de infância e políticos de vários países, com a finalidade de discutir questões educacionais, alimentares e de desenvolvimento.

No ano seguinte, o Deputado federal Galdino do Valle Filho propôs uma lei instituindo, no 12 de outubro, o Dia das Crianças no país. Registra-se que no dia 5 de novembro de 1924, o então presidente da República Arthur Bernardes (1875-1955) sancionou o Decreto 4.867. “Artigo único. Fica instituído o dia 12 de outubro para ter lugar, em todo o território nacional, a festa da criança, revogadas as disposições em contrário”, diz o texto. Assim, foi criado o Dia das Crianças no Brasil (Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-45783342).

A história revela que só que decretação legal do dia da criança não fora suficiente para dar a devida relevância à data. De acordo com informações do site da Revista Nova escola, a data passou meio desapercebida por um período de quase quatro décadas, como tantas outras comemorações propostas pelo Legislativo.

Afirma-se através do texto do referido site que a situação só veio a mudar a partir de 1960, quando a Empresa “Johnson&Johnson” e a Fábrica de Brinquedos “Estrela” se associaram para lançar a promoção “Semana do Bebê Robusto”, aproveitando a data comemorativa instituída em Lei para alavancar a venda de produtos para crianças.

O site destacou ainda que a iniciativa foi um sucesso. Outros varejistas aproveitaram a onda e a ação, rebatizada nos anos seguintes de “Semana da Criança”, se tornou uma das principais datas comerciais do calendário brasileiro. “A data virou tradição porque conseguiu tocar o lado emocional das pessoas. O presente dado à criança passa a ser um símbolo desta estima”, explica Dalton Viesti, administrador e consultor em marketing (https://novaescola.org.br/conteudo/2067/qual-a-origem-do-dia-das-criancas).

Face ao exposto, observa-se que estamos há quase 100 anos comemorando o dia da criança no Brasil. Por outro lado, as conquistas no campo legal dos Direitos da Criança e do Adolescente no nosso país, remetem há pouco mais de 30 anos. Somente com a Constituição Federal de 1988, é que crianças e adolescentes são reconhecidos como sujeitos de direito, que devem ser protegidos de forma integral e com absoluta prioridade!

Dois anos depois, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é promulgado, entrando em vigor no dia 12 de outubro de 1990, em alusão oficial ao dia da Criança no Brasil. No dia 24 de setembro do mesmo ano, o Brasil ratifica a Convenção sobre os Direitos da Criança (que havia sido adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989 e entrou em vigor em 02 de setembro de 1990).

Sabemos que o Brasil é reconhecido internacionalmente por seu arcabouço normativo-jurídico no campo dos Direitos da Criança e do Adolescente. Nesse contexto, O ECA é considerado modelo de legislação para a garantia de direitos na infância e juventude para qualquer país do mundo, diante da concepção de que tal instrumento jurídico veio a reafirmar a proteção de pessoas que vivem em períodos de intenso desenvolvimento psicológico, físico, moral e social.

Tais ponderações sobre datas, leis e concepções no cenário internacional acerca da legislação brasileira concernente aos direitos da Criança e do Adolescente, somos levados a fazer uma reflexão: “o que de fato temos a comemorar no dia das crianças no Brasil?” E partir dessa reflexão, fazer as seguintes perguntas: “Qual a realidade atual da infância no nosso país?” “Quais os dados acerca do acesso à educação, moradia, ao direito de brincar, ao direito de sonhar?” Será que toda criança pode de fato esperar pelos presentes, passeios e homenagens durante as comemorações do dia da Criança? Como de fato está sendo vivido direito a ser criança no nosso país?

No que diz respeito a dados, destacamos que o site da Fundação Abrinq, apontou diversos indicadores que foram retirados de fontes públicas e se encontram disponíveis no Observatório da Criança e do Adolescente, destacando inicialmente que o Brasil tem 69,8 milhões de crianças e adolescentes entre zero e 19 anos de idade, o que representa 33% da população total do país.

Proporcionalmente a Região Norte é a que apresenta a maior concentração de crianças e adolescentes, superando 41% da população. Mas é na Região Sudeste onde se concentra a maior população nessa faixa etária: são mais de 89 milhões de crianças e adolescentes.

A Fundação Abrinq também registra que há no país, na faixa de 0 a 14 anos, 9,1 milhões de crianças e adolescentes vivendo em situação domiciliar de extrema pobreza (renda per capita mensal inferior ou igual a um quarto de salário-mínimo) e 9,7 milhões em situação de pobreza (renda per capita mensal de mais de um quarto até meio salário-mínimo). Registrando-se que 5,4% de crianças de 0 a 14 anos vivem em situação de pobreza. Foi destacado também que:

  • 768.476 milhão de crianças estão em situação de trabalho infantil, correspondendo a 4,6% da população nesta faixa etária;
  • 1,6 milhão de crianças e adolescentes de até 17 anos de idade afirmaram não estar na escola, entre os meses de julho e novembro de 2020;
  • Apenas 27,4% da população de crianças de até 3 anos de idade frequenta uma creche, considerando somente as matrículas desta faixa etária;
  • 7,1 mil crianças e adolescentes foram vítimas de homicídio em 2019, sendo 5,4 mil destes homicídios (75,5%) cometidos por arma de fogo.

Um outra realidade preocupante, trata-se do dos números acerca da violência sexual de crianças e adolescentes no Brasil. O Governo Federal registrou aproximadamente 15 mil denúncias no Disque 100, entre casos de abuso sexual físico, estupro e exploração sexual contra crianças e adolescentes. Ressalta-se que esses foram os casos que foram notificados oficialmente.

Se ficamos assustados com esses dados, imagine pensarmos que esses números nem ao menos refletem totalmente essa realidade? Quantas casos de crianças e adolescentes foram abusados e explorados sexualmente que não chegaram ao conhecimento das autoridades, ainda mais em tempos de isolamento social? Em tempos de pandemia da Covid-19, sabemos que, de um modo geral, esse triste cenário tem se agravado no Brasil.

O site “Criança Livre do Trabalho Infantil” registrou que s casos de abuso sexual infantil apresentaram tendência de aumento no Brasil durante a pandemia do coronavírus.  Destaca-se no artigo do site que, segundo dados do Disque 100, houve um crescimento no número de denúncias no primeiro semestre de 2021, em relação ao primeiro semestre de 2020. Foram 5.106 violações registradas de janeiro a maio deste ano, contra 3.342 no primeiro semestre do ano passado (https://livredetrabalhoinfantil.org.br/noticias/reportagens/pandemia-aumenta-risco-de-exploracao-e-abuso-sexual-de-criancas-e-adolescentes/)

Após tantos dados negativos, podemos apreender que passado quase um século da promulgação do Dia da Criança no Brasil, e encontrando-se o ECA já na idade adulta, a realidade de crianças e adolescentes no Brasil ainda é muito preocupante e está bastante aquém do que está assegurado na Lei. O desafio está na implementação de Políticas Públicas que assegurem na prática tais direitos.

São tempos desafiadores! Não deixaremos de comemorar as conquistas já alcançadas, muito menos deixaremos de celebrar o dia das crianças através das diversas atividades que são comuns à essa época, tais como comprar presentes, fazer passeios, viagens, postagens em redes sociais (que muitas crianças nem ao menos têm acesso).

Porém, temos a certeza que não há muito o que comemorar no campo prático dos direitos das crianças, o que nos leva continuarmos firmes no propósito de trabalhar para que a Justiça da Infância e Juventude avance no cenário estadual e possamos vislumbrar um cenário no qual crianças e adolescentes sejam de fato tratados com ABSOLUTA PRIORIDADE TODOS OS DIAS!

FONTE: Coordenadoria Estadual Judiciária da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí-CEJIJ/TJPI.

 

REFERÊNCIAS:

 

BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2008.

BRASIL. Lei Federal n. 8069, de 13 de julho de 1990. ECA _ Estatuto da Criança e do Adolescente, 2021.

BRASIL. Governo Federal. Cartilha Maio Laranja, 2021.

Criança Livre do Trabalho Infantil. Disponível em: https://livredetrabalhoinfantil.org.br/noticias/reportagens/pandemia-aumenta-risco-de-exploracao-e-abuso-sexual-de-criancas-e-adolescentes/

FUNDAÇÃO ABRINQ. Cenário da infância e adolescência no Brasil, Fundação Abrinq, 1ª edição, 2021. Disponível em: https://sistemas.fadc.org.br/documentos/2021/cenario/cenario-da-infancia-e-da-adolescencia-2021.pdf. Acesso em 10 de outubro de 2021.

BBC NEWS BRASIL. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-45783342). Acesso em 10 de outubro de 2021.

Revista Nova Escola. Disponível em (https://novaescola.org.br/conteudo/2067/qual-a-origem-do-dia-das-criancas). Acesso em 10 de outubro de 2021.

 

FIQUE POR DENTRO!!!

 

ATIVIDADES E POLÍTICAS PÚBLICAS JÁ IMPLEMENTADAS E EM CURSO

  • Audiências Concentradas protetivas e socioeducativas;
  • Justiça Restaurativa no âmbito socioeducativo;
  • Implementação do projeto do CNJ no âmbito socioeducativo “Fazendo Justiça”;
  • Curso de Preparação Psicossocial para Pretendentes à Adoção, em parceria com a EJUDPI;
  • Implementação das Salas de Depoimento Especial em parceria com a Presidência do TJPI e CGJ-PI;
  • Projeto Teresina Protege, em parceria com a Prefeitura Municipal de Teresina;
  • Lives Informativas sobre Direitos e deveres da Criança;
  • Campanha de Incentivo a doação de parte do Imposto de Renda: Campanha LEÃO AMIGO, em parceria com MPPI e Governo do Estado do Piauí;
  • Participação em reuniões e em cursos de capacitação na área da Infância: Projeto Escuta Protegida em Parceria com o MPPI;
  • Mapeamento de crianças e adolescentes em conflito com a Lei;
  • Cartilha informativa de Autorização de Viagens;
  • Cartilha de Depoimento Especial;
  • Provimento Conjunto de Apadrinhamento Afetivo em parceria com Presidência do TJPI, CGJ-PI e Instituições de Acolhimento do Piauí;
  • Projeto de Volta pra Ca, em parceria com Instituições de Acolhimento do Piauí;
  • Projeto Entrega Legal para Adoção-Em parceria com MPPI, UFPI e CRIA;
  • Campanha Doe Sorrisos e promova a alegria a uma criança, em parceria com o NUSA/TJPI.
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